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A verdade, dizem eles
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Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o próximo governo, seja ele qual for, ponha fim à auto-regulação do futebol português, os declare a todos incapazes de se governarem e estabeleça, por decreto-lei, como é que o futebol deve ser organizado. É a nostalgia do antigamente que regressa em força.
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A semana passada foi dominada, desportivamente, pela palpitante conspiração a dois, entre os presidentes do Benfica e do Sporting. Sentindo que o FC Porto, o inimigo comum, está este ano, como nunca, ao alcance de ser derrotado, os dois autodesignados «moralizadores » do futebol português juntaram forças para tentar assegurar que essa derrota se consuma, de facto — seja quem for, de ambos, o beneficiário dela.
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Mais importante do que assegurar que o seu clube seja campeĂŁo, os presidentes do Benfica e do Sporting querem Ă© assegurar que o FC Porto seja finalmente derrotado.
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Para tal, aqueles cavalheiros lembraram-se de recorrer ao auxĂlio do poder polĂtico. Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o prĂłximo governo, seja ele qual for, ponha fim Ă auto-regulação do futebol portuguĂŞs, os declare a todos incapazes de se governarem e estabeleça, por decreto-lei, como Ă© que o futebol deve ser organizado.
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É a nostalgia do antigamente que regressa em força, a saudosa memĂłria dos tempos da Outra Senhora, em que as conveniĂŞncias polĂticas do regime de ditadura nacional tinham fixado uma lei nĂŁo escrita que determinava que, em cada quatro anos, o Benfica era campeĂŁo trĂŞs vezes- para manter o povo sossegado e distraĂdo — o Sporting era campeĂŁo um ano — para manter a
nomenclatura do regime satisfeita—e o FC Porto fazia o papel de pacĂłvio da provĂncia.
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Dias da Cunha e LuĂs Filipe Viera estĂŁo bem colocados para o desĂgnio que prosseguem: o primeiro Ă© tido como influente entre os socialistas, o segundo Ă© quem levou toda a Direcção do Benfica, pela mĂŁo de Santana Lopes, a um inesquecĂvel acto de vassalagem ao PSD, na vĂ©spera das Ăşltimas eleições legislativas.
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Juntos, eles esperam assim conseguir fazer-se ouvir no chamado «arco do poder». É a isto, meus caros leitores, que os estudiosos chamam um lobby. E porque reclamam eles a intervenção polĂtica no futebol?
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Em nome da «verdade desportiva». A verdade desportiva Ă© aquele conceito, muito teorizado por Dias da Cunha, de que, nĂŁo fosse o «sistema » (leia-se as arbitragens) e o FC Porto nada ganharia cá, ficando as vitĂłrias reservadas aos grandes de Lisboa. É um conceito que dá muito jeito para explicar coisas como a vitĂłria do Beira-Mar na Luz, tentando distrair os benfiquistas de evidĂŞncias como a notĂłria incompetĂŞncia de alguns dirigentes, justificada, isso sim, pelo «sistema» e pela falta de «verdade desportiva». É tambĂ©m um conceito difĂcil de resistir a algumas contradições inexplicáveis—e daĂ, certamente, as notĂłrias dificuldades de expressĂŁo, na matĂ©ria, do presidente do Sporting.
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Como explicar, por exemplo, que a carreira internacional do FC Porto seja aquilo que é, e as carreiras internacionais de Benfica e Sporting, na última década, sejam uma permanente humilhação, se lá fora não funciona o longo braço do «sistema» e da arbitragem portuguesa? Mas vamos, então, à verdade desportiva e a alguns exemplos concretos da mesma.
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a) Arbitragens
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O FC Porto é o grande beneficiado - dizem os arautos da «verdade desportiva». Verdade? Não, mentira.
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Um curisoso estudo publicado, no passado dia 21, pelo Diário de NotĂcias — insuspeitĂssimo de ser prĂł-portista — conclui, apĂłs analisar todas as crĂłnicas dos trĂŞs jornais desportivos e as opiniões publicadas dos especialistas em arbitragem aos 306 jogos da 1.ÂŞ volta da SuperLiga, que o clube mais prejudicado pelas arbitragens Ă©... o FC Porto. Entre outras coisas, escreve o DN, o FC Porto encabeça a lista dos penalties nĂŁo assinalados a seu favor — cinco, dos quais dois no jogo contra o Sporting, dois em jogos que terminaram empatados, e um no jogo que perdeu contra o Boavista, «cujo golo da vitĂłria foi, aliás, obtido em fora-de-jogo».
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E quem comanda a lista dos beneficiados? Pois, justamente o Boavista, que Ă© tambĂ©m, de parceria com o Benfica, quem comanda os destinos da Liga — o tal «sistema» denunciado por Dias da Cunha, que comanda a organização dos jogos, a arbitragem e a disciplina e do qual o FC Porto está, por inteiro excluĂdo (foi aliás, salvo erro, o nĂłvel parceiro de Dias da Cunha, o actual presidente do Benfica, ou um seu antecessor, quem declarou que era mais importante ganhar a Liga do que o campeonato).
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b) Disciplina
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Pela segunda vez esta Ă©poca, a ComissĂŁo Disciplinar da Liga prepara-se para aplicar a McCarthy dois jogos de suspensĂŁo, atravĂ©s do recurso ao vĂdeo, por ele ter dado uma cotovelada a um adversário. AtĂ© posso concordar com o princĂpio, o problema Ă© que ou ele Ă© de aplicação universal e exaustiva, ou entĂŁo Ă©, como tem sido, selectivo e criteriosamente dirigido a jogadores do FC Porto. Vejemos. Primeiro que tudo, Ă© necessário que os jogos sejam transmitidos pela televisĂŁo.
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Ora, enquanto os 34 jogos dos trĂŞs grandes sĂŁo todos transmitidos, clubes há que sĂł tĂŞm seis jogos transmitidos por Ă©poca— justamente os jogos contra os «grandes ». Logicamente, quem tem mais jogos transmitidos sujeita-se a ter jogadores castigados, com recurso ao vĂdeo, muitas mais vezes: como Ă© que os eruditos juĂzes do CD resolvem este problema elementar de igualdade penal?
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Em segundo lugar, devemos perguntar-nos porque Ă© que sĂł as cotoveladas sĂŁo punidas?
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A entrada amatar de Tõnito, do Boavista, sobre Derlei, em jogo de prĂ©-Ă©poca, arrumando-o durante longas semanas, ou a entrada, igualmente para arrumar, de um jogador do Boavista sobre outro do FC Porto, aos 3minutos do jogo do DragĂŁo, ambas perante a complacĂŞncia dos árbitros, nĂŁo foram punidas depois, atravĂ©s do vĂdeo, porquĂŞ?
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E, já agora, as duas cotoveladas do McCarthy foram ambas precedidas de idêntico gesto provocatório dos seus adversários, só que ele respondeu com mais fúria: ele leva dois jogos e os provocadores nada?
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Finalmente: porque é que o critério não se aplica aos outros?
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Uma semana antes da última cotovelada do McCarthy, o Rochembach enfiou uma cotovelada no Petit, durante o Sporting-Benfica. Um dia depois, o Petit enfiou uma cotovelada na cara do Tiago, durante o Benfica-Boavista: a imagem foi vista e repetida, perante o silêncio dos comentadores de serviço à televisão.
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A diferença é que em nenhum destes dois casos houve uma provocação prévia do adversário, como houve com o McCarthy, e não houve artigos na imprensa a apelar explicitamente ao castigo do «cotoveleiro ».
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Recordo: o Boavista manda na Liga, a meias com o Benfica e o Sporting é o «grande moralizador».
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c) Os apoios pĂşblicos
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Com grande alarido pĂşblico (agravado pela desastrada defesa do prĂłprio), foi noticiado que o eng. Nuno Cardoso foi constituĂdo arguido em processo-crime pelo MinistĂ©rio PĂşblico, na sequĂŞncia de queixa da Inspecção-Geral de Finanças.
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E isto, porque:
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- é suspeito de ter beneficiado o FC Porto no processo de construção do Estádio do Dragão,
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- prejudicando a CM Porto numa quantia entre 3 e 4 milhões de euros,
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- através de um sistema de permutas e de terrenos, em que terão sido sobreavaliados os terrenos cedidos pelo FC Porto para troca com os da CMP.
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Ora, se me permitem voltar ao assunto, eu recordo que, por comparação, o antigo (e dizem que futuro) presidente da CML, dr. Santana Lopes:
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- não é suspeito, mas sim autor confesso, de dois contratos, celebrados com Benfica e Sporting, relativos à construção dos seus novos estádios,
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- em que ajudou o Benfica numa quantia entre 55 e 65 milhões de euros, e o Sporting numa quantia entre 20 e 30milhões de euros,
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- através de recompra em dinheiro de terrenos anteriormente cedidos pela CML, cedência de capacidade construtiva em circunstâncias excepcionais, cedência de terreno e direitos de exploração de bombas de gasolina e participação em negócio conjunto de urbanização, no qual a CML realiza todas as despesas e divide os lucros a meias com os clubes.
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Lembro ainda que o actual e provável futuro ex-presidente da CML, eng. Carmona Rodrigues, se prepara para autorizar o Belenenses a urbanizar terrenos que a Câmara lhe cedeu para fins desportivos, naquele que será um dos maiores crimes urbanĂsticos da cidade de Lisboa, destinado apenas a beneficiar um clube que já recebeu gratuitamente o seu estádio da Câmara e que nĂŁo tema justificação «de interesse nacional» de ter feito um estádio novo para oEuro-2004.
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E que o presidente da CML justificou tal acto com a necessidade de «compensar o Belenenses» face aos apoios camarários recebidos por Benfica e Sporting.
Pergunto, em nome da «verdade desportiva» ou outra qualquer: porque é que a Inspecção-Geral de Finanças nunca investigou o assunto, porque é que o Ministério Público nunca se incomodou com ele, porque é que os jornais e televisões nunca lhe deram importância?.
Pergunto, em nome da «verdade desportiva» ou outra qualquer: porque é que a Inspecção-Geral de Finanças nunca investigou o assunto, porque é que o Ministério Público nunca se incomodou com ele, porque é que os jornais e televisões nunca lhe deram importância?.
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PS1- Visto ter-se tornadomanifesto que o treinador do FC Porto nĂŁo consegue exercer disciplina sobre os jogadores, dentro ou fora do campo, Ă© urgente que o presidente ou odirector do futebol se reĂşnacom eles e lhes explique que o circo tem de acabar.
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PS2- Alguns espĂritos expeditos tentaram fazer-nos crer que o juiz de linha LuĂs Tavares perdeu as insĂgnias da FIFA por nĂŁo ter visto a bola dentro da baliza do Porto, no Ăşltimo Benfica-Porto. O presidente do Benfica atĂ© já citou essa «informação» como «prova» dos atentados à «verdade desportiva». A mim pareceu-me sempre a coisa muito estranha: nĂŁo estou a ver a FIFA a seguir intimamente todos os jogos nacionais em que actuam as centenas de árbitros e juĂzes de linha por ela acreditados e a puni-los em função disso. LĂłgico me parecia, sim, que tivesse desprovido o «liner » em questĂŁo depois de ter apreciado negativamente a sua actuação em jogos internacionais. E, depois de o ter visto actuar no Leiria-Porto, mais firmei a minha convicção: o senhor Ă© totalmente incompetente para a função.
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