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sexta-feira, janeiro 28, 2005

As verdades quando sĂŁo ditas Doem...

Miguel Sousa Tavares
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A verdade, dizem eles
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Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o próximo governo, seja ele qual for, ponha fim à auto-regulação do futebol português, os declare a todos incapazes de se governarem e estabeleça, por decreto-lei, como é que o futebol deve ser organizado. É a nostalgia do antigamente que regressa em força.
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A semana passada foi dominada, desportivamente, pela palpitante conspiração a dois, entre os presidentes do Benfica e do Sporting. Sentindo que o FC Porto, o inimigo comum, está este ano, como nunca, ao alcance de ser derrotado, os dois autodesignados «moralizadores » do futebol português juntaram forças para tentar assegurar que essa derrota se consuma, de facto — seja quem for, de ambos, o beneficiário dela.
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Mais importante do que assegurar que o seu clube seja campeĂŁo, os presidentes do Benfica e do Sporting querem Ă© assegurar que o FC Porto seja finalmente derrotado.
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Para tal, aqueles cavalheiros lembraram-se de recorrer ao auxílio do poder político. Ao arrepio de gerações de dirigentes do futebol que sempre reclamaram o autogoverno, eles reclamam o contrário: que o próximo governo, seja ele qual for, ponha fim à auto-regulação do futebol português, os declare a todos incapazes de se governarem e estabeleça, por decreto-lei, como é que o futebol deve ser organizado.
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É a nostalgia do antigamente que regressa em força, a saudosa memória dos tempos da Outra Senhora, em que as conveniências políticas do regime de ditadura nacional tinham fixado uma lei não escrita que determinava que, em cada quatro anos, o Benfica era campeão três vezes- para manter o povo sossegado e distraído — o Sporting era campeão um ano — para manter a
nomenclatura do regime satisfeita—e o FC Porto fazia o papel de pacóvio da província.
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Dias da Cunha e Luís Filipe Viera estão bem colocados para o desígnio que prosseguem: o primeiro é tido como influente entre os socialistas, o segundo é quem levou toda a Direcção do Benfica, pela mão de Santana Lopes, a um inesquecível acto de vassalagem ao PSD, na véspera das últimas eleições legislativas.
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Juntos, eles esperam assim conseguir fazer-se ouvir no chamado «arco do poder». É a isto, meus caros leitores, que os estudiosos chamam um lobby. E porque reclamam eles a intervenção política no futebol?
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Em nome da «verdade desportiva». A verdade desportiva é aquele conceito, muito teorizado por Dias da Cunha, de que, não fosse o «sistema » (leia-se as arbitragens) e o FC Porto nada ganharia cá, ficando as vitórias reservadas aos grandes de Lisboa. É um conceito que dá muito jeito para explicar coisas como a vitória do Beira-Mar na Luz, tentando distrair os benfiquistas de evidências como a notória incompetência de alguns dirigentes, justificada, isso sim, pelo «sistema» e pela falta de «verdade desportiva». É também um conceito difícil de resistir a algumas contradições inexplicáveis—e daí, certamente, as notórias dificuldades de expressão, na matéria, do presidente do Sporting.
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Como explicar, por exemplo, que a carreira internacional do FC Porto seja aquilo que é, e as carreiras internacionais de Benfica e Sporting, na última década, sejam uma permanente humilhação, se lá fora não funciona o longo braço do «sistema» e da arbitragem portuguesa? Mas vamos, então, à verdade desportiva e a alguns exemplos concretos da mesma.
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a) Arbitragens
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O FC Porto é o grande beneficiado - dizem os arautos da «verdade desportiva». Verdade? Não, mentira.
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Um curisoso estudo publicado, no passado dia 21, pelo Diário de Notícias — insuspeitíssimo de ser pró-portista — conclui, após analisar todas as crónicas dos três jornais desportivos e as opiniões publicadas dos especialistas em arbitragem aos 306 jogos da 1.ª volta da SuperLiga, que o clube mais prejudicado pelas arbitragens é... o FC Porto. Entre outras coisas, escreve o DN, o FC Porto encabeça a lista dos penalties não assinalados a seu favor — cinco, dos quais dois no jogo contra o Sporting, dois em jogos que terminaram empatados, e um no jogo que perdeu contra o Boavista, «cujo golo da vitória foi, aliás, obtido em fora-de-jogo».
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E quem comanda a lista dos beneficiados? Pois, justamente o Boavista, que é também, de parceria com o Benfica, quem comanda os destinos da Liga — o tal «sistema» denunciado por Dias da Cunha, que comanda a organização dos jogos, a arbitragem e a disciplina e do qual o FC Porto está, por inteiro excluído (foi aliás, salvo erro, o nóvel parceiro de Dias da Cunha, o actual presidente do Benfica, ou um seu antecessor, quem declarou que era mais importante ganhar a Liga do que o campeonato).
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b) Disciplina
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Pela segunda vez esta época, a Comissão Disciplinar da Liga prepara-se para aplicar a McCarthy dois jogos de suspensão, através do recurso ao vídeo, por ele ter dado uma cotovelada a um adversário. Até posso concordar com o princípio, o problema é que ou ele é de aplicação universal e exaustiva, ou então é, como tem sido, selectivo e criteriosamente dirigido a jogadores do FC Porto. Vejemos. Primeiro que tudo, é necessário que os jogos sejam transmitidos pela televisão.
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Ora, enquanto os 34 jogos dos três grandes são todos transmitidos, clubes há que só têm seis jogos transmitidos por época— justamente os jogos contra os «grandes ». Logicamente, quem tem mais jogos transmitidos sujeita-se a ter jogadores castigados, com recurso ao vídeo, muitas mais vezes: como é que os eruditos juízes do CD resolvem este problema elementar de igualdade penal?
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Em segundo lugar, devemos perguntar-nos porque Ă© que sĂł as cotoveladas sĂŁo punidas?
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A entrada amatar de Tõnito, do Boavista, sobre Derlei, em jogo de pré-época, arrumando-o durante longas semanas, ou a entrada, igualmente para arrumar, de um jogador do Boavista sobre outro do FC Porto, aos 3minutos do jogo do Dragão, ambas perante a complacência dos árbitros, não foram punidas depois, através do vídeo, porquê?
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E, já agora, as duas cotoveladas do McCarthy foram ambas precedidas de idêntico gesto provocatório dos seus adversários, só que ele respondeu com mais fúria: ele leva dois jogos e os provocadores nada?
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Finalmente: porque é que o critério não se aplica aos outros?
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Uma semana antes da última cotovelada do McCarthy, o Rochembach enfiou uma cotovelada no Petit, durante o Sporting-Benfica. Um dia depois, o Petit enfiou uma cotovelada na cara do Tiago, durante o Benfica-Boavista: a imagem foi vista e repetida, perante o silêncio dos comentadores de serviço à televisão.
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A diferença é que em nenhum destes dois casos houve uma provocação prévia do adversário, como houve com o McCarthy, e não houve artigos na imprensa a apelar explicitamente ao castigo do «cotoveleiro ».
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Recordo: o Boavista manda na Liga, a meias com o Benfica e o Sporting é o «grande moralizador».
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c) Os apoios pĂşblicos
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Com grande alarido público (agravado pela desastrada defesa do próprio), foi noticiado que o eng. Nuno Cardoso foi constituído arguido em processo-crime pelo Ministério Público, na sequência de queixa da Inspecção-Geral de Finanças.
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E isto, porque:
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- é suspeito de ter beneficiado o FC Porto no processo de construção do Estádio do Dragão,
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- prejudicando a CM Porto numa quantia entre 3 e 4 milhões de euros,
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- através de um sistema de permutas e de terrenos, em que terão sido sobreavaliados os terrenos cedidos pelo FC Porto para troca com os da CMP.
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Ora, se me permitem voltar ao assunto, eu recordo que, por comparação, o antigo (e dizem que futuro) presidente da CML, dr. Santana Lopes:
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- não é suspeito, mas sim autor confesso, de dois contratos, celebrados com Benfica e Sporting, relativos à construção dos seus novos estádios,
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- em que ajudou o Benfica numa quantia entre 55 e 65 milhões de euros, e o Sporting numa quantia entre 20 e 30milhões de euros,
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- através de recompra em dinheiro de terrenos anteriormente cedidos pela CML, cedência de capacidade construtiva em circunstâncias excepcionais, cedência de terreno e direitos de exploração de bombas de gasolina e participação em negócio conjunto de urbanização, no qual a CML realiza todas as despesas e divide os lucros a meias com os clubes.
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Lembro ainda que o actual e provável futuro ex-presidente da CML, eng. Carmona Rodrigues, se prepara para autorizar o Belenenses a urbanizar terrenos que a Câmara lhe cedeu para fins desportivos, naquele que será um dos maiores crimes urbanísticos da cidade de Lisboa, destinado apenas a beneficiar um clube que já recebeu gratuitamente o seu estádio da Câmara e que não tema justificação «de interesse nacional» de ter feito um estádio novo para oEuro-2004.
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E que o presidente da CML justificou tal acto com a necessidade de «compensar o Belenenses» face aos apoios camarários recebidos por Benfica e Sporting.
Pergunto, em nome da «verdade desportiva» ou outra qualquer: porque é que a Inspecção-Geral de Finanças nunca investigou o assunto, porque é que o Ministério Público nunca se incomodou com ele, porque é que os jornais e televisões nunca lhe deram importância?.
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PS1- Visto ter-se tornadomanifesto que o treinador do FC Porto nĂŁo consegue exercer disciplina sobre os jogadores, dentro ou fora do campo, Ă© urgente que o presidente ou odirector do futebol se reĂşnacom eles e lhes explique que o circo tem de acabar.
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PS2- Alguns espíritos expeditos tentaram fazer-nos crer que o juiz de linha Luís Tavares perdeu as insígnias da FIFA por não ter visto a bola dentro da baliza do Porto, no último Benfica-Porto. O presidente do Benfica até já citou essa «informação» como «prova» dos atentados à «verdade desportiva». A mim pareceu-me sempre a coisa muito estranha: não estou a ver a FIFA a seguir intimamente todos os jogos nacionais em que actuam as centenas de árbitros e juízes de linha por ela acreditados e a puni-los em função disso. Lógico me parecia, sim, que tivesse desprovido o «liner » em questão depois de ter apreciado negativamente a sua actuação em jogos internacionais. E, depois de o ter visto actuar no Leiria-Porto, mais firmei a minha convicção: o senhor é totalmente incompetente para a função.

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