Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Enganador

Prosseguindo com o livro de memórias destes últimos doze meses que comecei anteontem (o livro e não os doze meses), regresso ao capítulo da moralidade para considerar provado, de uma vez por todas, que é estúpido discutir futebol a partir de uma visão padreca. �rbitros, cotoveladas, simulações e exaltações haverá sempre: são as comichões, frieiras e borbulhas da modalidade. Quem chega ao ponto de se indignar com elas faz figuras lamentáveis, no imediato ou a prazo. A revolta de José Peseiro no túnel dos balneários, depois do clássico de anteontem, soa decalcada da frase criticadíssima que Mourinho, há um ano, dirigiu a Liedson em Alvalade: "És um enganador". Desta vez, o enganador foi João Pereira, o que faz de Peseiro o "mau perdedor" da história, por extraordinário que pareça a quem tenha presentes os acontecimentos de Janeiro de 2004. A melhor ironia é a que não precisa de ser escrita. É claro que Peseiro não é um mau ser humano por se ter descontrolado sob tensão, nem João Pereira deve ser julgado senão por quem interpreta os regulamentos, nem os moralistas estavam de facto preocupados com a moralidade quando atacaram o treinador do FC Porto pelas reacções que teve ao empate com o Sporting. Na altura, estavam preocupados era com Mourinho. Por trás da moralidade, mesmo da moralidade das cotoveladas, está sempre o oportunismo, mais tarde ou mais cedo desmascarado por um destempero num qualquer desses túneis que a vida nos faz atravessar (tenho de tomar nota desta passagem). Peseiro teve azar. Podia ter sido no túnel da Mancha, mas foi no túnel da Luz, tão bem iluminado como o nome indica e com a agravante de ter acontecido em plena troca de fluídos entre os dois maiores clubes de Lisboa. Por um lado, o episódio mostrou que o treinador do Sporting se está a marimbar para o que cozinham os presidentes (uma prova de carácter); por outro, provou que McCarthy e Luís Fabiano não são os únicos a perder o sangue frio justamente naquelas alturas em que é imperioso mantê-lo.
.
.
JOSÉ MANUEL RIBEIRO in Ojogo

Sem comentários: